GOLPE DO PIX E A URGÊNCIA DE MEDIDAS JUDICIAIS

A atividade comercial surgiu a partir dos processos de trocas na antiguidade, quando determinados grupos trocavam suas produções por outros objetos de interesse. E a ideologia do comércio é justamente esta, trocar uma coisa por outra. Atualmente, trocamos produtos e serviços por dinheiro.

O que era feito somente com dinheiro, especificamente papel moeda, avançou para outras formas de pagamento de modo a otimizar, agilizar e facilitar a atividade comercial, bem como minimizar fraudes, pois havia (e ainda há) falsificação de papel moeda.

Nas últimas décadas, a tecnologia proporcionou meios de pagamento que facilitaram a vida de todos, por exemplo, cheques e cartões de débito e crédito. Contudo, a atividade criminosa implementou novas práticas ilícitas, tais como falsificação de cheques e clonagem de cartões, para ficar nos exemplos citados.

Com o PIX não foi diferente.

Tornou-se comum conhecer histórias de conhecidos e familiares que caíram no chamado “golpe do PIX”. Os golpes podem possuir modos diferentes de serem cometidos, mas em geral, a prática mais corriqueira que se tem visto é o contato realizado via aplicativo whatsapp de falsário se passando por um conhecido próximo, normalmente um familiar, solicitando transferência de valores para conta de terceiro também falsário.

Temos notado em casos que chegam ao nosso escritório que o primeiro passo das pessoas lesadas é entrar em contato com o banco que possui a conta e/ou abrir ocorrência no banco destinatário. Todavia, além de não haver solução, as respostas podem levar até 10 dias úteis, o que verificamos ser fatal na busca de recuperação do valor perdido.

O que constatamos no dia-a-dia do escritório é que a melhor solução para tentar recuperar o valor transferido é fazer um boletim de ocorrência, possuir detalhes do pix realizado com o print de comprovante, print da conversa com o falsário e imediatamente ajuizar medida judicial acautelatória em face do banco destinatário dos valores, buscando o bloqueio da conta bancária com a consequente reserva dos valores transferidos.

A tutela cautelar de urgência, que pode ser preparatória ou no bojo da ação principal, objetiva resguardar o bem ou direito contra a ação do tempo e a consequente ineficácia da prestação jurisdicional.

Conforme artigo 300 do Código de Processo Civil, os requisitos da antecipação da tutela são: a evidência da probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo e a reversibilidade da medida.  

O primeiro requisito é a plausibilidade do direito, devendo ser revestido da prova inequívoca e da verossimilhança. Enquanto a prova inequívoca visa demonstrar de forma robusta o direito, a verossimilhança tem o fito de convencer o juízo para o deferimento da tutela provisória de urgência.

O segundo requisito é o periculum in mora. Existindo uma lesão ou ameaça a um direito, o legislador conferiu ao julgador a possibilidade de fazer com que cesse tais lesões ou ameaças, posto que estas podem acarretar em danos de incerta reparação ou até mesmo irreparáveis, o que reforça nossa tese da necessidade de medidas judiciais com urgência.

Convém mencionar que a concessão ou não da medida pretendida não é uma mera liberalidade da Justiça. Ao contrário, é medida acauteladora do direito da parte, não podendo ser negada quando presentes os seus pressupostos, nem, tampouco, ser concedida quando não restarem evidenciados todos os requisitos de sua admissibilidade. Lado outro, não se trata de um juízo de mera possibilidade, mas de verdadeira plausibilidade, o que se faz com os documentos acima especificados.  

Quanto ao perigo de dano, caso não seja deferida a medida requerida, a parte lesada poderá sofrer prejuízos de difícil reparação, visto que o valor retirado de sua conta prejudicará com a sua atividade econômica ou de subsistência, gerando consequência em outras áreas como ser negativada ou o descumprimento de obrigações, além do risco de não ser ressarcido do valor.

Evidentemente que o sucesso da demanda se verificará no caso concreto pois não se tem controle sobre a atividade criminosa, como por exemplo, o encerramento da conta de destino ou seu esvaziamento pelos criminosos. Contudo, não se pode deixar de considerar que os criminosos não promovem a abertura de conta bancária para cometer um único crime, ou seja, a prática delituosa persistirá até que sejam descobertos ou bloqueados, daí a imprescindibilidade de rapidez na tomada de medidas judiciais.

Vale dizer, por fim, que a medida judicial em face do banco de destino pode ainda ter outros desdobramentos favoráveis ao lesado.

Não se pode deixar de responsabilizar a instituição financeira por permitir que fraudadores utilizem de sua estrutura para abrir conta corrente a fim de possibilitar a prática de golpes.

O banco de destino deve empregar todo o cuidado na conferência dos documentos e verificação do endereço, contatos e referências de quem abre conta bancária em sua instituição.

A falta de monitoramento da conta que cuide da lavagem de dinheiro do correntista estelionatário, de modo a permitir sua correta identificação e abertura de procedimentos internos, é algo desejável de instituições financeiras que possuem regras de compliance rígidas para impedir a continuidade da mesma fraude contra outras pessoas.

A Resolução nº 4.753, de 26 de setembro de 2019, que, em seu artigo 2º, assim dispõe:

“As instituições referidas no art. 1º, para fins da abertura de conta de depósitos, devem adotar procedimentos e controles que permitam verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta e, quando for o caso, de seus representantes, bem como a autenticidade das informações fornecidas pelo cliente, inclusive mediante confrontação dessas informações com as disponíveis em bancos de dados de caráter público ou privado.”

Se o banco de destino, possibilita a abertura irregular de conta corrente para o uso em estelionato com documentos e informações falsas, não cuida adequadamente de zelar pela manutenção e movimentação advinda das irregularidades perpetradas.

Sobre o tema, a Segunda Seção do STJ, editou enunciado sumular acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras, segundo o qual elas respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Senão vejamos:

Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Diante de todo o exposto, conclui-se que há aumento de chances de recuperar os valores perdidos se a tomada de medidas judiciais for bem instruída e célere.